quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Tema da Resistência

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por João


O tema da resistência volta à baila. No próprio seio da crítica atual ao capitalismo parece insinuar-se uma experiência-limite. A começar pelo mais simples: não é um fato que toda reflexão crítica e radical esconde um certo esforço monomaníaco de auto-convencimento de si própria a respeito justamente da crise que tenta denunciar? O alvo principal da literatura é a necessidade de desnudar e desvelar os monstros que habitam o moderno sujeito consumidor que tornou-se mercadoria. Não são tantos os caminhos como pode parecer a princípio, pois, na realidade, um dos traços característico da própria barbárie é a negação feliz da mesma.

Subjetividades engolfantes, poetas fantasmas da poesia contemporânea, eu lhes pergunto: que tipo de zumbi anônimo são vocês, capazes de refugiarem-se na suposta “beleza eterna” da lua, enquanto a humanidade toda, -o destinatário da criação artística por excelência-, sofre as contingências históricas desastrosas de um mundo em ruínas? Muitos ficarão revoltados com tais palavras, embora em nenhum outro momento a loucura esteve tão próxima da morte: é impossível optar pela primeira sem aceitar a segunda.

Os velhos argumentos fazem com que a ideologia, a cultura, e o chamado “senso-comum” assumam ares de absurdo, como uma capacidade de adaptação às circunstâncias diversas da vida em função apenas de alguma razão cega. Trata-se da defesa aberta da incoerência -criminosa e cínica. Repare, por exemplo, o choque que existe na obra de Kafka: por um lado, o desmantelamento nítido da cultura e dos valores burgueses, fonte do absurdo; por outro, a inexistência de novas referências, fazendo ressoar internamente, insistentemente, esta mesma tradição, como um verme primordial rastejante em meio aos destroços de uma vida superior que um dia foi -ou quis ser.

O cinismo resultante do mecanismo cego em nome da manutenção de uma ideologia saturada assume, de fato, faces desprezíveis: é o czar que sai à sacada de seu Palácio de Inverno e promete uma nova vida para os camponeses e operários miseráveis, mas, assim que retorna à seu quarto autoriza a ofensiva militar por trás da multidão para exterminá-la. O passado ainda pesa na consciência das novas gerações, só que, desta vez, como um peso ignorado. Lembro das palavras de um amigo: "o torpor a que se vê submetido o povo resulta do barulho ensurdecedor de todos os gritos de escravos que viveram e vivem por aqui, sinalizando o limiar de uma loucura coletiva ou de uma libertação integral." Como sabemos, não existem mais noites silenciosas.

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