quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Amor Perfeito mora na Literatura? Onde?

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por João


A verdade é que não existe tema fácil para se fazer literatura, o que existe é a forma concreta pela qual o belo da vida se refaz em literatura. Poderíamos questionar, entretanto, se certos temas tendem mais facilmente para a realização do belo. Seríamos estreitos de pensamento, e até conservadores, se achássemos que o amor, por exemplo, pela sua recorrência na literatura, constitui uma qualidade literária de todo homem. A plenitude impossível do escritor impõe o impasse de como escrever, um problema formal que pode ser solucionado pela revelação surpresa de um tema inesperado. Esta solução não exclui a outra: o escritor, inversamente, encontra uma solução formal, de composição, estética, para expressar um tema que martela em sua cabeça. E os dois problemas funcionam juntos e solucionam-se mutuamente. Um bom tema é o melhor conselheiro para a forma na medida em que a forma é o "anjo da guarda" dos bons conteúdos.

O amor obriga necessariamente que o escritor transforme a maneira estabelecida em que este tema sempre fora tratado, se quiser escapar do demodê. Os temas mais freqüentes são os mais difíceis nesse sentido. Só que os temas impensáveis e mirabolados, nem sempre são favoráveis; pois o tema insuspeito e excêntrico não tem nada que ver com criatividade, na medida mesma em que até os loucos e bêbados, e principalmente estes, são por demais alternativos. O lema que diz: “O amor é belo”, pode ser mais interessante do que o lema falsamente exótico do: “Todo tema estranho é original”, ou mesmo, “Todo homem estranho é um gênio incompreendido”. Isso tem um nome: charlatanismo. É preciso ser relativo sem ser.

Deve ser insuportável encontrar um tema que parece razoável e, na hora de escrevê-lo, a mão trava em cima do papel, ou insiste em andar por caminhos já conhecidos. Se pudéssemos, nesses momentos, explodiríamos, mas, em todo caso, é possível amassar o papel e acender um cigarro. Mas uma situação verdadeiramente séria, a qual devemos tratar com indiferença indolente, é quando os homens se martirizam por "obsessão afetiva e subjetiva", na tentativa de exprimir-se através do famoso “clichezão”. Mesmo assim só tem dissabores e insucessos -os piores clichês. Nesse caso é mister que se recorra, urgentemente, à contemplação das músicas do nosso grandioso Jorge Vercilo, o Djavan universitário.

A questão novamente nos conduz para aquele velho trio imperturbável, os irmãos sábios de todas as épocas, que são: o rigor, sujeito reto. O prazer, que vive na espreita. E o trabalho, calmo e eficaz. Mas não posso me esquecer da matrona sempre terna de todo escritor: a Fé. Na vida, certamente, o amor é belo, a amizade, nossos filhos, o comunismo, a caridade cristã, as mulheres, os balões de gazes, a fumaça em círculo que sai do cigarro, os peidinhos dos bebês, a conduta militar das formigas, mas, na literatura, não é que sejam inúteis ou são sempre inúteis, são transformados noutra coisa. Abstratamente, é bom que se diga, a moral da vida é, para literatura, um nada. Um nada positivo. “O bom escritor é o que inova na forma e no conteúdo”, nos dirão os desesperados inteligentes. Só que, ironicamente, os escritores inovam sem ter plena consciência, e o fazem, sempre, querendo dizer o óbvio e terminando no insuspeitável. Afinal de contas, quando se abre um livro para ler, ninguém está totalmente nu, mas sim aguardando que o poeta nos diga o que é o amor e a vida. De sorte que o trabalho é um alento formidável.



04/04/2010

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