quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fim do expediente

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Por João


O bom homem, Diretor de Repartição, chamado Medeiros, pede fósforo emprestado ao estranho que está sentado no meio-fio. Esse, então, inesperadamente, inicia a palestra:

- Tudo está perdido!

- Não seja pessimista, homem - respondeu-lhe Medeiros, com um misto de euforia inexplicável e sentimento de superioridade...

- Sou otimista, pessimista é o senhor.

- Como... ?

- Só poderemos transformar tudo quando soubermos que tudo está perdido, principalmente quando tudo está perdido de fato.

- Pensas então que só porque digo que nem tudo está perdido não acho que tudo precisa ser transformado? - indagou Medeiros, já irritado pelo despeito do interlocutor.

- Não senhor, o contrário: penso que primeiro chegou a conclusão de que é impossível tranformar tudo, e, não sabendo o que fazer com isso, preferiu acreditar que nem tudo está perdido...

- Me chamas então de covarde?

- Acho que sua covardia poderia te salvar se você não fosse covarde.

- Insolente... achas que as coisas precisam mudar só porque você quer?

- Não, o contrário: acho que as coisas precisam mudar por isso quero que mudem.

- "O contrário, o contrário... blá, blá, blá..." sempre isso... não sabe dizer outra coisa?

- Não teria mais razão para ser pessimista do que o senhor?

- Razões eu tenho, e de sobra, para ir-me embora. Sou otimista, meu rapaz, o que não sou é otário.

Medeiros se foi, levando no bolso o fósforo do homem.


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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NANANO_A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Um homem atravessa as ruas.

Sombras humanas o acompanham como uma procissão.
Ele leva uma prancheta na mão esquerda e um lápis 6B na mão direita.
O sorriso sárcastido.
Na rua, no centro velho da capital, ele para e bebe ao menos uma cachaça de bar em bar.
Seu nome é João Constino - CARICATURISTA.
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OS MORTOS O ACOMPANHAM POR ONDE PASSA.
OS MORTOS PELA CIDADE O ACOMPANHAM.

João desenha pessoas nos bares.
As vezes é espancado por alguns dos funcionários.

paciência ))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))

PACIÊNCIA.
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Ele sabe que chegará o dia em que abrirá as portas do Inferno, do qual é o porteiro, e as vozes dos mortos saiŕão pelas ruas, virando as coisas pelo ar
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Homens e mulheres , os bandos humanos anunciando estranhas formações sociais.
E ele desenha, assina as caricaturas: JOÃO CONSTINO- CARICATURISTA.

OS MORTOS O ACOMPANHAM POR ONDE PASSA.
OS MORTOS PELA CIDADE O ACOMPANHAM.

Ele se perde dentro da noite, vai se obscurecendo em traços de grafite, se perde escuro como sangue e urina, fumaça de nicotina, derrotando, dia-a-dia, a própria derrota, rindo de porta em porta, de bar em bar, tendo o duro chão da metropole como lar, João dorme como abatido a tiro, a queima roupa da consciência, o sono sem sonhos como o concreto, onde é certo que outros como ele também dormem abatidos pelas queimaduras da vida sem teto.

Nada está certo, João pensa.
Nada está real, o Caricaturista sente.

O movimento da realidade, dessa cidade.
O movimento se expoem pornográfico ante seus olhos.
As coisas tem mais importância do que as pessoas.

João passa, no seu percurso de vendas, por sete avenidas, cada uma delas possui a sua entidade.
João, ao beber, sempre conversa com elas.
As desenha, visto serum eximío caricaturista, capaz de desenhar o irracional cotidiano. O Caricaturista é obrigado a desenhar elas. Senão iriam deixá-lo para sempre na escuridão das ruas.
Cada uma delas era própria promessa de devoração, de fim da personalidade.
Os cães, entidades menores, tinham de ser expulsas todos os dias.
Os cães faziam-no beber além da conta.
Mergulhava no irracional cotidiano.
Naquela outra cidade.
Lá, João era indefeso.

Os guardiões das ruas choravam.

Um deles era um homem com a cabeça de fogo.
Outro, uma menina numa bicicleta branca.
Tinha a mulher com braços de serpente.
O velho que canta as canções das antigas prostitutas nos tempos de outrora.

Um dia o Caricaturista conheceu Dourado, o cachorro homem, a menina de programa desdentada e os dois irmãos artesões. Eles eram uma familia. Sagrada seja, talvez,(eles brilhavam, e como). O sorriso ausente de dentes, iluminado. A situação de trabalhar na rua, no centro das relações financeiras, centro velho, Bolsa de Valores. A família, ali , tranquila, vendendo a mercadoria feita com as mãos.O clima financeiro dos que caminham.Dourado se espreguiça como bicho preguiça mesmo, ué. As pessoas observam e param o caminhar. Cachorro preguiçoso, parece gente! As gentes diziam e se admiravam.Dourado se estica em local público, pleno de si, foda-se a correria, as entregas, foda-se gostoso o financiamento dos passos. Os cachorros humanizados no meio do fluxo monetário.
E Dourado, como chefe de família, era de uma calma ofensa.

Para João Constino a rua era o palco onde o espetáculo da mudança tornava-se visível.
Ele via os sinais.
Os homens floresciam nesse novo cenário.
Ele fazia questão de levar as vozes dos mortos, dos irmãozinhos de rua, aqueles mesmos que o roubavam quando caiá na calçada. Ao roubarem sempre lhe ensinavam algo.

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Aos homens concha faria ressoar suas vozes, para arrebentar de vez, para florescerem nessa terra como jovens deuses da destruição.

O Caricaturista sente as dores no fígado como uma mão apertando no lado direito.
Não posso esquece-los - repetia para si - não posso morrer agora - também não preciso viver muito. Bastam cinco anos para fazer o que tenho de fazer. Preciso de um cigarro. Tô sem grana. Caço bitucas pelo chão. Já fumei boas bitucas. Cigarros importados de gente boa de grana.Sim.Os melhores. Não posso esquecer os cigarros. Não posso esquecer a fera que me tornei. Não. A memória do aprendizado das ruas é essa dor no lado. Não devo esquecela mesmo quando passar. Esquecer seria condenar ao infernos as vozes dos que estão sendo mortos. E eu iria sofrer as piores das mortes, o mais terrível castigo por esse crime.


OS MORTOS O ACOMPANHAM POR ONDE PASSA.
OS MORTOS PELA CIDADE O ACOMPANHAM.

Numa mesa de bar:
A pressão.
A grosseria e o demônio da situação.
Vejam.
- Cheguei na mesa, tres pessoas havia, classe média tipíca. Não vou fugir desses tipo aí.
João oferece o trabalho. Nem abre a boca é despachado.
-Cai fora caralho!
Falaram sem ao menos olhar ou escutar.
Extrema grosseria , ele pensa friamente. Além do normal. Não sou cachorro. Não vou fugir desses tipo aí.
Tomou uma decisão.
O Caricaturista fincou os pés ali, olhando, analisando, o cérebro uma máquina fria computando dados.
Primeiro:
Qual seria a atitude usual? Qual seria o teatro social pré-estabelecido?
A) o vendedor ambulante abaixaria a cabeça e iria embora humilhado.
B) o vendedor ambulante iria discutir, começar uma briga, até ser expulso do bar a pontapés.
Este seria o jogo, a encenação cotidiana e suas variantes.
Conhecia as regras.
A tempos vinha pesquisando, lendo sobre.
Livros sobre política, estratégia ( de preferência sobre combates da segunda guerra mundial).
Considerações:
Isto é material para um experimento?
Poderia servir para uma ação de maior envergadura?

-política- estética- intervenção-etc

Anotações espaciais do lugar, das ruas , do trafego, larguras da calçada e do asfalto, locais para se esconder, saídas e fugas, locais para defesa e resistência, o preço da cerveja.
Voltar para mesa. .
Era um problema de educação básica. De aprender o que é necessário para conviver numa cidade.

Conselho: Se quer evitar qualquer encontro com o outro vai tomar cerveja em casa.

Ação: paralisar o jogo de humilhação com uma contra ação. Paralisar até causar uma mudança de atitude nos atores sociais.

Eles notaram o Caricaturista, incomodo crescente, aquela presença ali, analisando como uma máquina ártica.

- O olhar, na linguagem corporal, coisifica ou humaniza o objeto. A invisibilidade social é um ato físico.

- Não por favor, não queremos comprar nada agora não.
O Caricaturista vai embora. Tinha uma noite inteira para ganhar o pão.
( pausa)

João Constino trabalhou. Amanhecia. De cima de um viaduto presenciava a chegada do dia. No mesmo havia uma poltrona em chamas. João ali se senta para descansar os ossos. Ouve-se o som de um ônibus. Um cachorro late. Um bêbado canta e cai e não levanta.
João fecha os olhos.
E ele vê.
O que ?
Uma porta.
E ele escuta.
O que?
O som do vento.
Na porta estava escrito:

"Eles serão os pais daqueles que herdarão nossos mortos industriais, fabricados em empresas e tais, sem aos quais jamais viveriamos sem comprar merda fudida embalada em mercadorias, como os sumosacerdotes do velho pregam em suas catedrais conceituais repletas de obras de um determinado e capital período histórico, vais!
O Navio o espera."

O velho Caricaturista abre a porta.
E ele vê.
O que?

O Mar de Areia e os navios que por lá navegam buscando as águas verdadeiras da História.


João Cosntino_exu

NANANO_AS NARRATIVAS DO NAVIO NOMADE

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Lágrimas não são armas

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Por João


Novamente se manifesta o problema da urbanização capitalista. Mas seu caráter desenfreado e irracional não é tão óbvio quanto parece. Trata-se de uma situação em que o produto das contradições é utilizado para negar as próprias contradições. Como tudo no capitalismo, o efeito, é inimigo das causas; as coisas, são como são, e, naturalmente, não precisam ser esclarecidas.

Mostra-se insistentemente e de maneira enfática imagens de uma verdadeira indigência habitacional; a razão disso tudo é tão óbvia que se torna desnecessário tocar o núcleo do problema; mas é estranho, pois, se ninguém o faz, banaliza-se a miséria; seja como for, o importante é não perdermos, com a ajuda de Deus, o sentimento de indignação. Verdadeira proeza! Desesperar-se de indignação sem procurar compreender aquilo que é indignante! O contrário, afinal de contas, é utopia de gente presunçosa.

É óbvio que os desabamentos e as enchentes ocorreriam nesse verão. Mas, por que é tão óbvio? Um simples processo natural, como tantos outros ciclos da natureza, evidencia o fato de que o capitalismo torna cada vez mais insustentável a sobrevivência da espécie humana sobre a terra. Como disse o velho Darwin, aquilo que garante a adaptação de uma espécie - em nosso caso o trabalho social - torna-se a razão de sua destruição quando deixa de garantir a sobrevivência da mesma.

As sociedades, nesse sentido, principalmente as modernas, não resultam também de um processo de adaptação milenar? Deixamos de participar no concerto das espécies? De fato, a natureza que está mal adaptada à insânia irracional do capital: chove bem em cima de encostas; terremotos que ocorrem bem em baixo de países pobres; rios mal localizados; desproporção das riquezas naturais, etc.

Se a forma pela qual nos relacionamos com a natureza é ainda resultado do modo está organizada a sociedade, haveria outro meio de solucionar o problema sem alterar essa forma histórica de organização social? Acho pouco provável. Somos seres humanos, é natural o sofrimento. Outro dado que “óbvio” e banal. Mas, o que seria um sofrimento humano... natural? As condições de existência da sociedade não deveriam, nesse sentido, constar em primeiro plano como alvo?

Não há nada mais ridículo, inútil e vergonhoso do que os protestos contra a destruição da natureza de pessoas que, entretanto, sob uma fachada de "senhores do bom-senso", consideram uma utopia impossível o erradicamento definitivo da fome e da miséria da própria espécie humana! O que pensar disso, se não que, de fato, o natural, no caso, é nossa impotência frente àquilo que é produto exclusivo das nossas próprias ações? Mas como falar disso tudo, se as pessoas andam a perder os sonhos humanos mais elementares devido o temor idiota de parecerem ridículas e "ultrapassadas" aos olhos de uma ideologia que prega a eternidade de uma sociedade degradada.


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Enfim, seja como for, é um erro aguardarmos a tragédia consumar-se para só então denunciá-la, de modo alusivo e covarde, como se a condição desumana em que vivem milhões de pessoas cotidianamente já não fosse, por si só, suficientemente trágica.

O fato de "ser impossível mudar as coisas", torna-se, de fato, natural quanto mais assim o consideramos. Não há um Deus insondável, ou qualquer força metafísica à impedir a mudança; tolice de quem se esconde passivamente ao abrigo de um tempo histórico que nos foi imposto e "pesa sob nossas cabeças"; obra total de outros mas que, por maior que seja o sofrimento, teimamos em habitá-la ao invés de destruí-la. Há forma mais indigna de viver como ser humano?

Ora, a indignação não pode ser um mero dever, pois nesse caso é normal que transforme-se em hobby. A luta possível é para transformar a inquietação e o senso crítico em verdadeira necessidade; direito inalienável - há quem saiba do que estou falando! -, sem o qual, definitivamente, não vale a pena viver.


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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

NANANO_A BIBLIOTECA DA TRIPULAÇÃO

"Quem quer superar a ordem estabelecida em todos os seus aspectos não pode ligar-se a desordem presente, inclusive na esfera da cultura. Deve lutar e não esperar, também no campo cultural, para fazer com que a ordem móvel do futuro seja uma aparição concreta. Esta possibilidade sua, presente já entre nós, desacredita toda expressão dentro das formas culturais conhecidas. Devem ser levadas todas as formas de pseudocomunicação até sua completa destruição para chegar um dia à comunicação real e direta (em nossa hipótese de trabalho de um cultura mais elevada significa: a situação construída). A vitória pertencerá a quem for capaz de criar a desordem sem amá-la"

(Guy Debord)