segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Noites Capitalistas

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por João


Periferia: corpos vazios e sem ética,
lotam os pagodes rumo à cadeira elétrica.
Eu sei, você sabe o que é frustração:
máquina de fazer vilão. Eu penso mil fita,
vou enlouquecer...

(Racionais – “Jesus Chorou”)


O título desta crônica deve-se a uma reportagem que o Jornal da Globo transmitiu dias atrás com o seguinte dizer: “As noites da China comunista são noites capitalistas”. A ironia do título é ainda mais “profunda” no próprio conteúdo da reportagem, que, visando atingir mais uma vez - nunca é tarde! – o “sonho comunista”, fez uma advertência essencial à vida do homem sobre a terra: noites capitalistas são divertidas e felizes; noites comunistas são tristes e obscuras. Imagens monumentais da cosmopolita cidade de Pequim: iluminada... prostituta de luxo! A felicidade pode ser comprada; o brilho ofuscante do níquel reluz nos olhos embriagados da turista francesa... lição de moral! Aprendam de uma vez: o capitalismo venceu, e era tão impossível acontecer o contrário que até mesmo um país dito comunista rendeu-se aos seus encantos: “rendam-se, sou irresistível, sou bom!”. Era este, em suma, o conteúdo da reportagem. Mas, porque homens tão bons insistem em cutucar o pobre cadáver do comunismo? Piedade ao morto é o que peço. Ah, sim, para saber se a vida noturna de Pequim é atraente, basta citar a definição da reportagem: “Uma mistura de Nova York com Las Vegas”.

Observar a vida noturna de uma cidade é uma boa maneira de conhecê-la. Pequim, por exemplo: pessoas vazias, fúteis e desesperadas, em suma, mercadorias humanas (mercadorias humanizadas; humanos mercantilizados, tanto faz). Trotsky afirmou que os grandes centros urbanos são a imagem histórica mais acabada do capitalismo: por um lado a força monstruosa do Capital, com suas estruturas de concreto armado, por outro, seu resultado mais lastimável e inevitável: a indigência, a indiferença, o auto-anonimato, a miséria... A globalização, entretanto, inaugura sim um período de certa igualdade. Afinal de contas, a miséria espiritual e ideológica dos centros expande-se mais e mais para as periferias; e, por outro lado, a miséria material destas ameaça invadir os grandes centros financeiros do Mundo. É olhar para a África e ver o dia de amanhã de todos nós, parafraseando Marx, que, há mais de um século atrás disse que bastava olhar a Inglaterra para ver o futuro de outros países.

Em São Paulo, centro financeiro da América Latina e um dos maiores do mundo, as “noites capitalistas” estão muito longe das madrugadas prometidas pelos poetas. Não há cancioneiros ao luar, nem garoa romântica, nem tampouco as luzes ofuscantes e os cenários iluminados das noites cinematográficas de Las Vegas. Uma simples caminhada é o suficiente para vermos os fantasmas que circulam no submundo e nos guetos da legalidade. A rotina mói as pessoas de dia, e, de noite, com a violência, o medo, a tensão, aproveita-se melhor o bagaço. É lícito perguntar: será que as dezenas de milhões de operários superexplorados da China "comunista" freqüentam as “noites capitalistas” de Pequim?

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