quarta-feira, 30 de março de 2011

SINAIS

Introdução

A despeito de tantos diálogos informais já travados entre amigos, sem com isso perdermos a profundidade crítica das discussões, decidimos escrever este trabalho afim de afirmar as idéias que se relevaram entre alguns anos de debate entre nós. Precocemente, o texto já se mostra ousado por revelar pensamentos críticos – cremos, modestamente – por homens que não são acadêmicos, nem circulam em meios acadêmicos, mas, pelo contrário, encontram-se á margem da sociedade.

Parte I

Em uma de suas noites sonâmbulas, o Operário – antipático a ‘teorias da conspiração’ – vai ao bar para refletir sobre estranhos sinais do mundo que lhe inquietam o espírito. Na madrugada da periferia, em um beco cruzado vê aproximar-se um vulto amorfo. O homem, de expressão disforme, lhe pede fogo para acender o cigarro. É o ‘velho’ João Constino:

- Tá perdido, Operário?
- Talvez estejamos todos...
- Então tá tudo bem! Paga uma cachaça que a gente encontra o caminho.
- Puta-que-pariu! Querem me explorar de qualquer jeito?!
- Veja bem, vamos analisar - se você não analisar ficará mais perdido que barata viciada em crack. Pense nisso: Vou te explorar mesmo! Sem dó! Foi assim que fui educado, como você também... E aí, o que é que você vai fazer para impedir que eu te explore? Enquanto vai pensando já vou pedir a cachaça!
‘Oh Mané... Desce um velho!!!’
-Na verdade não é isso que me preocupa. Os ‘grandes homens’ exploram-nos de tal modo que há gente no mundo querendo voltar à escravatura. Além de chegarmos num estágio em que os oprimidos recorrem a se explorarem entre si, válvula de escape programada em nós para que não nos voltemos contra quem realmente nos expropria, há quem reclame o desejo reacionário de voltar os tempos acreditando, subjetivamente, que morrer no chicote é melhor do que na bala. O saudosismo também está programado, ou seja, “Olhem para trás, para o lado e para baixo! Nunca para frente!”.

(João Constino dá um gole na cachaça.)
- Não entendi porra nenhuma. Tava olhando aquela tiazona boa ali no balcão.
- Você vai prestar atenção ou não? Você, que tanto dizem ser o andarilho das trevas, que caminha entre os mortos e os vivos, para onde está olhando? Para trás, como a tradição lhe manda? Para baixo, como ordena a submissão? Ou para o lado, como rege o preconceito?!
- Andarilho das trevas é coisa de personagem de quadrinhos. Não sou personagem, cara. E tu quer saber para onde estou olhando, né? Pois vou dizer: Estou olhando para você, e o que olho dá vontade de rir e chorar. Quer saber porquê?
- Não é de assustar o que você diz. Para todas as expressões e ações que vejo nas ruas e nas fábricas sinto a mesma vontade de rir e chorar. Como também não é de assustar o que dizem sobre você, já que o mundo anda tão surreal que não conseguimos mais distinguir o que é ficção e o que não é. Mas, diga lá, o que vê em mim que tanto o aflige?
- Ora, ora... O que temos aqui? Já encontrei muito peão por aí na noitada. Gosto de beber minha pinguinha nos botecos onde rola uns ‘forró’. Me sinto a vontade para beber, para olhar e uma coisa te digo: você é feio pra caralho e não vou te paquerar nem fudendo! Prefiro a tiazona no balcão! Mas chega de merda e vamos ao que interessa. Vejo você e digo: no rosto, na superfície, vejo um cara de trinta e cinco anos, casado ou não, de origem negra, nordestina, branca e sei lá mais o quê nesta suruba genética. Peão de fábrica mesmo. Mas, que coisa estranha... O que sai da boca desse peão não condiz com os outros peão que eu conheço. Você, olhando bem, não posso dizer o que é. Mas posso tentar dizer o que vai se tornar.
‘Mané, vai outra cachaça aí!’
- Muito bem, o dia está raiando. Quer comer algo?
- Deixa o dia raiar... Na verdade, o amanhecer pode ser a pior coisa que pode acontecer. A gente sempre espera que o sol inaugure o dia, mas, cara!, de tudo que tá acontecendo, de toda essa insanidade, de gente esperando sem saber a morte e a desejando no horizonte ... Poderemos ver o surgimento de um sol que trará apenas a desgraça. É foda!

(O Operário vira de uma vez todo o seu copo de cachaça).
- Mas, afinal, o que é a vida da evolução humana, o que é a nossa história senão o medo da morte, a curiosidade de se ser mortal e a esperança da imortalidade?! Sinto-me tão cansado que me parece que já tive muitas vidas, que atravessei os séculos neste contraditório ciclo!

(Constino dá uma longa e estridente gargalhada, que aos poucos vai parando)
- Não fique bravo... Não tô rindo da sua cara. É apenas o seguinte: a evolução humana acontece, mas ela acontece fora dos olhos oficiais. O nosso medo de olhar é incapaz de acompanhar. Os dinossauros não imaginavam que aqueles bichinhos semelhantes a ratos iriam dominar a terra. Já reparou nas baratas, nos ratos e nas formigas. Às vezes eu olho, e tento ser diferente dos dinossauros. ‘Vocês podem nos substituir, não tem problema.’ ‘Estou cansado’, digo a eles. Minha espécie talvez esteja cansada e deseja morrer. Somos ainda capazes de criar um horror tão potente que o horror fascista na Alemanha seria um passeio de criança. Todas as vidas que tu viveu talvez sejam apenas o treinamento para enfrentar esse possível horror.

Sem que tenham pedido algo, Mané serve mais uma dose de cachaça.

- Essa é por conta da casa!

Leandro Alves e Anderson Black

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