terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Lágrimas não são armas

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Por João


Novamente se manifesta o problema da urbanização capitalista. Mas seu caráter desenfreado e irracional não é tão óbvio quanto parece. Trata-se de uma situação em que o produto das contradições é utilizado para negar as próprias contradições. Como tudo no capitalismo, o efeito, é inimigo das causas; as coisas, são como são, e, naturalmente, não precisam ser esclarecidas.

Mostra-se insistentemente e de maneira enfática imagens de uma verdadeira indigência habitacional; a razão disso tudo é tão óbvia que se torna desnecessário tocar o núcleo do problema; mas é estranho, pois, se ninguém o faz, banaliza-se a miséria; seja como for, o importante é não perdermos, com a ajuda de Deus, o sentimento de indignação. Verdadeira proeza! Desesperar-se de indignação sem procurar compreender aquilo que é indignante! O contrário, afinal de contas, é utopia de gente presunçosa.

É óbvio que os desabamentos e as enchentes ocorreriam nesse verão. Mas, por que é tão óbvio? Um simples processo natural, como tantos outros ciclos da natureza, evidencia o fato de que o capitalismo torna cada vez mais insustentável a sobrevivência da espécie humana sobre a terra. Como disse o velho Darwin, aquilo que garante a adaptação de uma espécie - em nosso caso o trabalho social - torna-se a razão de sua destruição quando deixa de garantir a sobrevivência da mesma.

As sociedades, nesse sentido, principalmente as modernas, não resultam também de um processo de adaptação milenar? Deixamos de participar no concerto das espécies? De fato, a natureza que está mal adaptada à insânia irracional do capital: chove bem em cima de encostas; terremotos que ocorrem bem em baixo de países pobres; rios mal localizados; desproporção das riquezas naturais, etc.

Se a forma pela qual nos relacionamos com a natureza é ainda resultado do modo está organizada a sociedade, haveria outro meio de solucionar o problema sem alterar essa forma histórica de organização social? Acho pouco provável. Somos seres humanos, é natural o sofrimento. Outro dado que “óbvio” e banal. Mas, o que seria um sofrimento humano... natural? As condições de existência da sociedade não deveriam, nesse sentido, constar em primeiro plano como alvo?

Não há nada mais ridículo, inútil e vergonhoso do que os protestos contra a destruição da natureza de pessoas que, entretanto, sob uma fachada de "senhores do bom-senso", consideram uma utopia impossível o erradicamento definitivo da fome e da miséria da própria espécie humana! O que pensar disso, se não que, de fato, o natural, no caso, é nossa impotência frente àquilo que é produto exclusivo das nossas próprias ações? Mas como falar disso tudo, se as pessoas andam a perder os sonhos humanos mais elementares devido o temor idiota de parecerem ridículas e "ultrapassadas" aos olhos de uma ideologia que prega a eternidade de uma sociedade degradada.


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Enfim, seja como for, é um erro aguardarmos a tragédia consumar-se para só então denunciá-la, de modo alusivo e covarde, como se a condição desumana em que vivem milhões de pessoas cotidianamente já não fosse, por si só, suficientemente trágica.

O fato de "ser impossível mudar as coisas", torna-se, de fato, natural quanto mais assim o consideramos. Não há um Deus insondável, ou qualquer força metafísica à impedir a mudança; tolice de quem se esconde passivamente ao abrigo de um tempo histórico que nos foi imposto e "pesa sob nossas cabeças"; obra total de outros mas que, por maior que seja o sofrimento, teimamos em habitá-la ao invés de destruí-la. Há forma mais indigna de viver como ser humano?

Ora, a indignação não pode ser um mero dever, pois nesse caso é normal que transforme-se em hobby. A luta possível é para transformar a inquietação e o senso crítico em verdadeira necessidade; direito inalienável - há quem saiba do que estou falando! -, sem o qual, definitivamente, não vale a pena viver.


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Um comentário:

  1. Belo texto.
    Foi feliz em todos os pontos sobretudo no que diz respeito às intermináveis lutas vistas como fins, como o vegetarianismo, meio ambiente - não se trata de tornar essas formas de luta menores, mas acaba por ser algo sem sentido, quando visto como fim, suprima a ingestão de carne, faça a revolução da colher, e o problema está resolvido?

    Estamos numa travessia neo-positivista rumo ao nada - e o caminho é mais bárbaro possível: O ser humano é um ser irracional, logo impossível de alcançar a emancipação. Todas suas ações são como partículas de um redemoinho.

    Temos a opção de fazer o papel de um parasita seguindo a ordem do parágrafo acima ou como você mesmo, João, disse tornar nossa indignação não uma hobby mas uma necessidade.

    abs

    PS: João quando vai aceitar o convite de colaborar lá com nosso blog no cinefusão? e já deixo o convite para os outros blogueiros aqui.

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